terça-feira, 10 de maio de 2011

Entrevista - ANtevê - 03/11/2002

Estilos diferentes de vilãs
Arlete Salles nunca imaginou que um personagem marcante pudesse trazer preocupações. Mas, ao receber a sinopse de "Sabor da Paixão", logo se lembrou de Augusta Eugênia, sua extravagante vilã em "Porto dos Milagres", de 2001. Arlete sabia que, para dar vida à dominadora e maquiavélica Zenilda Paixão, precisaria "exorcizar" a socialite decadente que não perdia a pose. "Foi uma personagem querida. Mas, agora, ela que fique lá em cima, porque eu preciso dar conta deste novo recado", brinca, em tom sereno.

Aos poucos, Arlete foi mapeando as diferenças entre as duas vilãs. A principal é a que mais a agrada: a elegância de Zenilda. Acostumada a interpretar mulheres do povo ou "peruas malucas", como define, a atriz tem adorado dar vida a uma refinada produtora de vinhos. E se envaidece pela boa imagem no vídeo e pelos comentários nas ruas. "Sempre perguntam se fiz cirurgia plástica, se uso aplique... Desde que deixem minha alma, do resto podem duvidar...", consente, numa sonora gargalhada.

Bem-humorada, Arlete está sempre rindo ou fazendo rir - como fez com a insana Kika Jordão, de "Lua Cheia de Amor", em 1990, ou a delegada Francisquinha, de "Pedra Sobre Pedra", em 1992. Aos 38 anos de profissão, Arlete é vista com freqüência na TV e nos palcos, mas quase não teve contato com o cinema. "Não deu tempo", explica, com entusiasmo de iniciante. No ano passado, no entanto, ela fez o longa-metragem "O Terrível Rapaterra", de Ariane Porto, que entra em cartaz em janeiro.

ANTV - O convite para fazer outra vilã logo depois da Augusta Eugênia não assustou você? 
AS - No início, tive muito receio. A Augusta Eugênia marcou demais. Era difícil exorcizar o fantasma dela. A voz é minha, o corpo é meu, tem a minha marca de intérprete. São coisas que sempre vão estar presentes. E as duas são vilãs que lutam para não perder o status. Então, eu tive de tentar, de todas as formas, encontrar as diferenças entre elas. Até porque eu acho a repetição muito monótona e me incomoda repetir o mesmo trabalho. O meu grande desejo é sempre surpreender o público de alguma forma, com algo atraente, diferente. Não foi fácil, mas existem diferenças enormes.

ANTV - Quais?
AS - A Augusta era mais uma inconseqüente, uma insana. Era mais tirana que vilã. Já a Zenilda vai cometer muitas maldades para defender o que ela acha que é direito dela. E é uma mulher extremamente trabalhadora, determinada, obstinada. A Augusta não era. Ela queria ter direito a tudo, mas sem levantar um dedo para isso. Em termos de composição, a Augusta era muito histérica, gritava por tudo, vivia sempre nos agudos. Ela era uma soprano lírica da vida. A Zenilda é mais contida, até porque é uma mulher elegante. A Augusta não era nada elegante. Os códigos dela em relação à vida eram extremamente deselegantes. Já a Zenilda controla tudo, inclusive ela própria. É uma mulher para quem as emoções não andam à solta.

ANTV - É mais difícil interpretar uma vilã séria ou uma vilã cômica?
AS - O ator que diverte o público fica mais simpático. Como a Zenilda não tem a defesa da comédia, eu espero poder divertir as pessoas de outra forma. Talvez fazendo-as gostar de odiar a Zenilda. Mas a comédia é um traço muito forte no meu trabalho. De vez em quando ela acaba aparecendo. Até porque eu acho que no cotidiano de qualquer pessoa acontecem coisas que se tornam engraçadas. Até em velórios é comum as pessoas terem acessos de riso. Eu acho que é impossível um personagem não ter algum traço de humor. Às vezes, fazendo a Zenilda, que me foi muito recomendada como um personagem sério, as pessoas ficam às gargalhadas no estúdio. Mas eu juro que não é intencional.

ANTV - Isso significa que você ainda não descobriu o traço de humor dela?
AS - Eu estaria mentindo se dissesse que não. Já descobri sim. É aquela relação dela com o José Carlos, que é uma loucura. Ela, com toda a dureza, com todas as batalhas, não abre mão de sua cota de afago, de afeto, de sexo, ou sabe-se lá que nome ela dá a isso. Mas ela nega a idéia de gostar deste homem num plano que não seja o físico. Ou seja: até o relacionamento afetivo dela é autoritário. E é muito engraçada a forma como ela se relaciona com ele. Os momentos em que ela está alucinada também são engraçados. São momentos que humanizam o personagem. Ninguém é um monstro o tempo inteiro.

ANTV - Como você humaniza uma vilã?
AS - É imprescindível tentar entender as motivações para uma pessoa agir com crueldade em relação à outra. Dentro de cada pessoa, existem o bem e o mal, o amor e o ódio. Só que a gente é educado para reprimir os sentimentos escuros, vai exercitando o bem ao longo da vida. Mas, em algumas pessoas, ninguém consegue reprimir isso. Elas perdem o canal da simpatia em relação ao outro. O sofrimento do outro não as comove. Para a Zenilda, não faz diferença saber que a família da Diana está passando fome. O que passa na cabeça dela é que ela encontrou aquelas terras abandonadas, passou dez anos trabalhando, arregaçou as mangas, tornou aquela terra produtiva e agora ela não quer devolver.

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